Hafiz e Hazrat Inayat Khan: Deus Criou o Mundo a Partir do Som

Hafiz, um dos grandes poetas da antiga Pérsia, conta a seguinte lenda: “Deus fez uma estátua de barro à sua imagem e quis que essa estátua possuísse alma. Mas a alma recusou-se a ser aprisionada, pois é de sua natureza ser livre e voar à vontade. A alma não quer estar presa, nem admite que lhe imponham limites. O corpo é uma prisão e a alma recusou-se a adentrá-lo. Então Deus pediu aos anjos que tocassem sua música. E, à medida que os anjos tocavam, a alma ficou extasiada. Para poder sentir melhor a música e ouvi-la de perto a alma entrou no corpo.” Hafiz disse: “As pessoas dizem que ao ouvir aquele som, a alma entrou no corpo; a verdade, porém é que a própria alma era o som”.
Ao que o sufi Hazrat Inayat Khan comentou: “Essa é uma bela lenda, no entanto ainda maior é o seu mistério, o seu significado. A interpretação dessa lenda nos explica duas grandes leis. Uma delas é que a natureza da alma é ser livre e, para a alma, a tragédia da vida consiste na ausência dessa liberdade que pertence à sua natureza original. O outro significado dessa lenda nos mostra que a única razão pela qual a alma entrou no corpo de barro ou matéria inanimada foi experimentar e ouvir a música da vida”.
Sempre nos deparamos com o fato de que a linguagem “sabe” mais do que aqueles que a usam. As duas primeiras frases da lenda do sábio poeta Hafiz dizem: “Deus fez uma estátua de barro. ele formou o barro à sua semelhança”.
O escultor modela o barro e temos uma estátua. O músico forma a matéria e temos a música. Deus forma o barro e temos uma estátua. O músico forma a matéria e temos a música. Deus forma o barro e surge o mundo. Em cada momento o barro é a matéria-prima, o elemento-primevo, a matéria-primeva daquilo que denominamos criação: a tensão-primeva. No princípio, era o barro. O tom como Logos. Já falamos disso: o “Faça-se” contido no início da história da criação judaico-cristã era, antes de tudo, tom e som. Os sufis, místicos do islamismo, sabem muito bem: Deus criou o mundo a partir do som.

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