1h30 no Ibira

Depois de um ano voltei ao Ibirapuera. Normalmente não costumo ir ao parque do Ibirapuera, é longe da minha casa, do meu trabalho, longe da casa da namorada.

Segunda-feira fiz o licenciamento do carro no caixa eletrônico e ao invés de pedir para que o documento fosse entregue em casa pelo correio, preferi retirar no Detran, como faço há alguns anos. Afinal sai mais barato eu pagar quatro e sessenta, ida e volta, do que pedir pra vir pelo correio e não ter ninguém em casa e depois ter que ir lá de qualquer jeito.

Pois bem, hoje fui lá. As 10h estava no prédio símbolo da corrupção e ineficiência do serviço público, pelo menos pra mim. Em menos de quinze minutos peguei o documentinho azul, aliás não sei pra que se faz licenciamento anualmente, e depois atravessei a passarela Ciccilio Matarazzo e fui fazer meu passeio anual. Sim, pois da última vez que estive passeando no Ibirapuera foi em 13 de Novembro do ano passado depois de ter ido pegar o licenciamento no Detran também.

É um parque diferente, não tem o povão que tem no Parque do Carmo, não tem a "crasse elite dominante" que tem no parque Burle Marx. O que tem é uma mistura, e todos continuam convivendo lá como se tudo estivesse bem.Tem atletas, artistas, velhinhas, criancinhas, babá negra levando o nenê branquinho no carrinho de oitocentos reais, tem muitos jovens jogando, correndo, namorando, fumando, andando, lendo, escrevendo, tem senhores pançudos, senhoras pelancudas, gente que corre com o segurança do lado, tem gente com cachorrinho, tem gente com cachorrão. Seria a síntese da cidade que queremos, mas...

Fiquei de bobeira andando, vendo as pessoas, recebendo impressões da natureza, das árvores, do lago, dos pássaros (inclusive vi um galo de campina, um metro e meio pertinho de mim). Dei um momento pra mim, um tempo para eu estar comigo mesmo. Enquanto eu via, também ouvia. Ouvi um senhor e um jovem, que suponho fossem advogados discutindo como proceder numa ação, ouvi senhoras falando que a machonha estava fazendo mal para filha de uma delas, ouvi crianças falando palavrão com a maior naturalidade, ouvi um casal de alemães conversando, mas depois que passaram por mim não era um casal e sim um trio, dois rapazes e uma garota, que também não eram alemães, mas holandeses (suponho porque um deles estava com a camiseta laranja da Nike da seleção de futebol), ouvi duas moças muito bonitas conversando em árabe, ouvi um casal conversando em inglês, ele num inglês britânico, ela num inglês péssimo CCAA/Fisk/Wizard. E também tentei não ouvir nada, encontrar um ponto no parque onde eu só pudesse ouvir as folhas das árvores ao vento, e não encontrei, sempre se acaba ouvindo o som do trânsito do lado externo. No melhor lugar que encontrei, adivinhe o que aconteceu? O trânsito veio por cima. Um helicóptero barulhento.

Muita gente correndo com camiseta da corrida Nike 10K, mulheres com conjunto da Adidas, negros bem altos e bem magros correndo de uniforme Mizuno, adolescentes de Reebok, velhinhos de Umbro, senhoras de Le coq.

Havia um grupo de jovens gravando algo numa quadra de basquete. Havia uma equipe grande de filmagem gravando algo no Museu Afro-Brasileiro. Haviam várias crianças de escola, com as pacientes tias tendo que aturar aquela gritaria.

Continuei caminhando e já pensando em ir embora ia vendo as pessoas de bicicleta curtindo, outros correndo, um casal que se beijava tão voluptuosamente, que se ela abrisse mais a boca, ele morderia as amígdalas dela. Também vi muitos velhinhos, uns com andadores, outros em cadeiras de roda, muitos com bengalas. E no caminho da saída, perto da Bienal eis que surge a situação que me impulsionou firmemente e escrever tudo isso.

Um jovem aproximou-se mim com flores na mão. Pensei que fosse vendedor inicialmente.

- Oi, por favor, você poderia fazer um favor pra mim ?

Olhei pra ele, uns 17, 18 anos, não mais que isso, camiseta Blink182, calça jeans, tênis, barba por fazer, cabelos desgrenhados.

- Depende.

- É o seguinte, você poderia entregar essas flores pra uma moça, ali no prédio da Bienal ?

Ai cacete, é pegadinha! O povo da tv adora fazer matérias no Ibirapuera. Olhei pro prédio da Bienal, estávamos ao lado dele na parte de trás. O pessoal passando, gente correndo, gente com cachorro, gente com criança. Olhei pra ele, normalmente eu não dou atenção a entrevistadores, jornalistas, vendedores, mas como estava com um espiríto mais aberto me propus a encarar isso como algo diferente a se fazer.

- Tá bom.

- É só entregar ali na catraca, pra qualquer pessoa que trabalhe ali, ela é monitora e está trabalhando hoje lá dentro.

É pegadinha, só podia ser. Mas paguei pra ver.

- Quer que diga algo? Seu nome?

- Não, não precisa.

- Tá bom.

- Valeu cara, é só entregar pra alguém ali, que eles entregam pra ela.

- Falou.

Peguei as flores do rapaz e fui em direção a porta que estava aberta, eu vi um segurança e duas moças, pensei que uma delas fosse a moça do buquê. Quando fui chegando perto da porta o guarda foi fechando e quando cheguei a dois metros ele fechou totalmente, é uma porta de vidro, ele me viu ali. Eu fiz sinal pra ele e ele me indicou a lateral do prédio. Disse que era só pra entregar que eu não ia entrar. Ele mostrou a lateral do prédio de novo. Supus que havia uma outra entrada por lá.Dei a volta e nada...fui andando em volta e nada...aquele prédio é comprido...olhei pro buquê, as cores não combinavam, ele colheu aquelas flores ali no parque mesmo, três flores e umas folhas secas e um bilhetinho: Para a bela e doce Tatiana Yano. Andei, andei, já estava com vontade de ir embora e ficando de saco cheio daquelas flores... depois de chegar ao outro lado do prédio a primeira coisa que vi foi a lixeira. Adivinhou, né? A lixeira fica ao lado da vaga de estacionamento da presidência da Bienal. Não tive dó, remorso ou arrependimento. Me lembrei de quantas vezes eu tive vergonha de chegar numa menina pra puxar assunto, ou tentar me aproximar mais de alguma que já conhecia, mas não tinha coragem de me declarar. Hoje foi uma experiência diferente. Se ele tivesse coragem não teria pedido a alguém pra fazer algo que ele deveria ter feito, ele correu o risco.

Tatiana se você ler isso, já sabe...haviam flores para você. Feinhas, mas haviam.

Segui pela saída do autorama, e nas barracas de cachorro-quente, calabreza, pernil já estavam cheias de gente. Atravessei novamente a passarela e o meio-dia voltei pra loja...

Agora é só esperar pra ver em qual programa de pegadinhas vou sair.

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